29 junho 2008

Prazo final de uma fase ruim [parte 8]

Tentou disfarçar a curiosidade, mas não pôde. Abriu o livro, quis não notar o bilhete jogado ali, em cima dos sachês de açúcar. Sim, lembrava-se dele, sobre ontem, na verdade, lembrava-se muito. Ele a olhara naquele instante com uma inocência tão intensa que a despia. Ela respondeu com um oi, que quis ser com um tom de vamos nos sentar aqui e conversar por horas, mas que ao tentar se conter acabou saindo amargo demais. E sentira aquele gosto ruim na boca durante a tarde toda, culpava-se por tê-lo afastado. Sentira-se muito ruim, mas não queria ceder a ele todos os privilégios, pois não estava bem já há alguns dias. Sentia-a completamente alheia ao mundo - sua arte não rendia, suas palavras não a impressionavam, seus desenhos não expressavam o que ela gostaria que eles expressassem. Nem sequer ao tirar fotos ou ao se vestir ela estava obtendo sucesso nesses dias. Era como se aquela nuvenzinha cheia de raios e chuvas pairasse sobre a cabeça dela. E quanto mais tentava acreditar que não era nada disso, mais coisas ruins chegavam pra provar que sim - era uma fase péssima.

Ao vê-lo sentado naquele café, aquelas horas da manhã, pensara em um milhão de coisas, mas como não gostava de se iludir, continuou seu caminho, sentindo um aperto estranho no peito. Começou a respirar com uma certa dificuldade e por isso achou confortável abraçar o irmão - ele sempre a fazia sentir melhor em momentos assim.

E agora essa? Bilhete? Bilhete?! Qual é? Parecia uma criancinha, finjindo que não via o bilhetinho em cima da mesa. Pegou o seu Nokia 5200 e colocou os fones, mas logo se entregou porque a primeira música que tocou era o Marcelo Camelo dizendo: "cola o seu desenho no meu, pra ver se coooo-olaaa". Era demais.

Jogou os fones na bolsa sem cuidado algum, contrário do que era seu costumeiro com eles, afastou o prato e puxou o bilhete com a ponta dos dedos para sua frente. Espiou com o canto do olho o moço na mesa. Ele a olhava fixamente e nem sequer disfaçou quando a viu olhando. Afastou os cabelos do rosto com a mão e abriu o bilhete, com delicadeza estridente.

Gelou ao ler, aquelas frases quase sem sentido, mal escritas, com caligrafia desregular - ridículo.
Ridículo, ridículo, ridículo.

De alguma maneira, não menos ridícula, ela entendera exatamente. Exatamente. O coração batia descompassadamente e com freqüencia impressionante. Sem prévias, seus pensamentos desapareceram, não pensava em absolutamente nada - ridículo...