25 novembro 2009

Quanto é o ingresso?

Eu a observava de longe, num canto escuro, enquanto ela era pura luz. Enfeitava-se nos finos raios de Sol que irradiava e brincava com o corpo numa frenética insistência de me fazer não resistir sem saber. Eu confesso - nunca fui um bom homem. Eu não acredito na transformação. Tudo o que sou, ontem eu guardava, mas aqui estava, já bem preso nas entranhas de mim.

Ia soltando meus podres ares entre copos de cerveja e as fumaças de cigarros alheios. Quis fumá-los todos e me embriagar com as mais ardidas bebibas que me queimassem a goela. Que me fizessem sentir fisicamente o que eu já estava sentindo, pra ver se, quem sabe, não passava. Mas não passava: eu nunca fui um bom homem. Meus olhos a seguiam de canto em canto, sem perdê-la um instante sequer, a guardá-la na retina, no cérebro, n'alma, a tatuá-la na memória. E me estremecia o corpo - mau homem, má insistência, má desistência. Escolhas euforicamente enganandas, vesgas, embaçadas. O nó da garganta espreitava boca afora, e a ânsia do estômago tinha ímpetos de fazer o mesmo. Era um sentimento puramente físico que se apossava de mim. Os goles se tornavam sem gosto e meus olhos ardiam. Estaria com febre, talvez? Sentia arder a nuca, o pescoço, o corpo todo.

Mas estava decidido - eu nunca fui um bom homem. Um bom homem não sentiria aquilo, não desejaria com tanto calor. Um bom homem elogiaria a beleza dos olhos da moça, enquanto eu me afogava em outras belezas muito menos dignas. O álcool barato já me doía a barriga e a cabeça, mas os olhos nem piscavam. Era um espetáculo: as luzes coloridas voavam pra todos os lados pra acompanhá-la. Minhas mãos formigavam. Era um espetáculo para um homem ruim. Pra um homem ruim se desintegrar em física paixão, pra eu me afogar, me desfazer, estremecer.

Ela dançava, reluzia seus encantos pro mundo sem vergonha, enquanto o mundo não sentia vergonha alguma de recebê-la, também. Ela falava, cantava, dizia, dançava e andava. De um lado pro outro, num ritmo inconstante e incoerente.

Até que tudo rompeu-se, deixando-me inquieto e deslocado. A cena acabou. Meu corpo ficou numa inércia desesperada, na esperança da volta. Os olhos perderam o foco, fiquei distante, perdi a concentração. Onde estaria? Onde estava? Onde estará? Não haviam mais olhos, nem corpo e o desejo se esfregava nas mãos, tão perdido quanto eu, sem saber pra onde ir. Tão forte, tão destinado e sem rumo.

Agora só me restava a certeza de que eu não era um bom homem. No meu palco, nada mais havia. Um mau homem, sem motivo, sem reação. Eu era um mau homem sem com que ser mau. Mas agora eu já sabia o que eu era e não tinha mais volta. Eu descobri o que havia numa parte desconhecida de mim. Uma vez descoberta, agora estava a mostra. Levantei-me da poltrona e saí, sem notar que as luzes ainda estavam acesas. Pra mim, elas já não estavam.

24 novembro 2009

Dear J,

Hoje o clima não está pra desenhos. Passei a tarde enfurnada no quartinho de costura e já usei todos os retalhos que você comprou pra mim nas férias. Quero mais estampas floridas e ainda não aprendi onde encontrar aquelas bolinhas coloridas sem você. Eu lhe fiz um estojo pra guardar suas canetas pretas. É que elas são tão insaturadas, J, precisam de alguma cor pra sorrir um pouco. Você paga se eu enviar pelo correio pra você ou prefere que eu lhe entregue quando você voltar?

Acabaram os botões amarelos, talvez porque eu tenha um apreço incrível em usá-los em todas as peças que costuro. E estão sobrando os verdes, não comprarei novos (por enquanto). Você prefere os amarelos? Estava pensando em lhe fazer um desenho. Pensei em pintar um quadro, mas quis escolher antes uma cor e não sei. Eu nunca sei. Você escolhia, quando estava aqui.

Eu manchei minha saia listrada ontem - não fique bravo comigo. Acabei lavando a bendita junto com os lençóis. Não deu certo. Mas tou pensando em transformá-la em uma bolsa, não sei ainda.

Passei a noite pensando nas flores que você me enviou. Você exagerou nas cores delas pela falta do que escrever no cartão? Ainda disserto comigo mesma sobre a distância estar dissipando ou aumentando o nosso caso. Eu sinto sua falta ao meu lado na minha cama quando acordo, mais do que quando me deito. Acho que nossa paixão acabou, J. Agora ficou esse amor frouxo das primeiras horas de Sol. Mas ainda tenho aqueles pensamentos temáticos sobre os quais conversamos outro dia ao telefone.

Quando você voltar, traga o calor da euforia com você, por favor.
Perdoarei que você se esqueça de todos os outros pedidos.
Menos este.

F.

17 novembro 2009

Sieg Füher

Eu lhe quis de volta pra encher meu ego, pra me dizer coisas bonitinhas. Eu me aproveitei de você, do seu corpo, do seu amor. Testei seu sexo, sua força, seu lirismo e sua voz. Eu lhe deixei rouca, frouxa, morta e murcha, com os cabelos revoltos. Sem roupas as pessoas perdem o orgulho. Eu lhe observei com olhos duros e disfarcei com um sorriso bobo. Fiz umas piadas e desfiz o seu medo. Eu lhe fiz desperdiçar dias, meses e palavras inúmeras, depois lhe coloquei de volta na minha caixinha e guardei com carinho dentro do guarda-roupa. Eu enxuguei as suas lágrimas com as costas das mãos e lhe deixei de molho. Pecado, né? Tão bonitinho esse seu corpo, seu estilo ingênuo de gente que finge que sabe o que quer... Suas cartas quase que tiram uns sentimentos de mim. É pecado lhe deixar de lado, mas não tem muita graça, o seu barato é pouco e o nervosismo que você sente quando me vê me deixa um pouco enjoada. Você não é loucura, você não é paixão, você é meio água com açúcar. Pro meu jogo de amores, você ainda é café com leite. Pingado. Em copo de cerveja de bar, daqueles que não valem nada. Falta muito amor próprio, eu não quero o seu romancezinho de novela das seis. Sem contar que você sempre volta, então tanto faz. Eu posso ter e não ter, só estalando os dedos. Você nem sabe estalar os dedos. Isso faz você perder toda a graça, sabia? Você é tão judiadinha e a minha fúria por falta de amor fica louca pra lhe passar uma rasteira com gostinho de Holocausto de vez em quando, só por diversão. Vez em sempre, na verdade. Eu não faço por mal, você é que vem, você é que escolhe me encher de bajulações desnecessárias e eu, sinceramente, acho uma graçinha. É engraçado: esse tanto de gente super apaixonado por você, mas cê curte sofrer, né? HAHAHA Tô ligado. Mas tudo bem, pra sofrer é comigo mesmo. Ah, sei lá, meu, espera mais um pouco ai... Quem sabe um dia eu não decido pegar você de novo?