28 outubro 2010

3:38

Na calada da noite, um táxi pára na frente de um alto prédio de esquina. A moça conta as moedas e desce, sem chaves, cheirando a festa, equilibrando sua desequilibrada beleza em cima de uma sandália.

Interrompendo meu conturbado sono de cada dia nos dai hoje, a campainha toca, altas horas da madrugada, meu imponente e pontual emprego me esperando a espreita algumas horas adiante. Pelo vidro da porta, vejo uma silhueta escorada na parede. A maçaneta da minha casa exige alguma força para girar, a imagem então me atingiu como um todo - o emaranhado de cabelos vermelho escuro, os olhos pintados, um curto vestido preto, sem descer do salto 12, um tanto cambaleante e com olhos sonolentos, todo aquele brilho e luxúria, um tanto decadence queen de final de noite, mas ainda brilhando aquele desejo quase impuro com que eu sonhava... Uma sombra azulada em cima dos marcados e marcantes olhos marrons iluminava um olhar de carência, de saudade. Veio até mim aquele olhar para que juntos os curássemos.

Deitou-se em minha cama, com um sutiã preto e uma calcinha colorida. Deixou-me sentir sua maciez, afundar minhas mágoas em seu colo, abraçá-la com ternura. Deixou que rolassem as lágrimas que contia e desabafamos angústias irremediáveis, inflexíveis.

Ah, minha menina, quantas coisas cabem em você, não é mesmo? Suas roupas coloridas escondem uma mulher aí dentro, uma mulher de salto 12 e cabelos vermelhos. Eu ainda vou levar um bom tempo pra conhecer todas as suas versões, mas eu quero todas. Eu quero todos os seus lados frouxos e soltos para existirem e se libertarem ao meu lado.

Assim como ontem, todas as vez quando fechamos as portas, meu bem, a sua presença perfuma o ar. Damos para as paredes a liberdade de manter do lado de fora todos os males que o mundo oferece. Dentro, só há o amor - vazando pelas frestas.

07 outubro 2010

Indolor sentimento incolor

Dias como este reerguem monstros há tanto adormecidos. Você pode até achar que eu não tenho motivos pra estar irritada, pra ficar triste, pra ficar brava, mas eu sinto que naquelas malas virão todos os meus medos guardados, embrulhados pra presente. Quantas e quantas vezes eu estive feliz e fui obrigada a chorar, sabe? Você não tem idéia. Ela queria que eu limpasse o sangue, mas eu estava feliz, eu não queria limpar. Eu não sou uma boa pessoa, sabe? Porque eu não limpei. Você sabe e eu sei porque isso tudo aconteceu. E são estes mesmos motivos que me assombram... e agora o sangue é meu. Agora é meu sangue, minha carne e meu coração completamente envolvidos e eu não estou mais disposta a desistir como antes. Agora eu estou com medo. Não que antes não estivesse, mas agora eu estou vulnerável. Eu não me importo que me afetem, mas ficarei muito ferida se afetarem você. Ao mesmo tempo que eu penso que tenho que fazer alguma coisa, penso que vou ficar bem quietinha no meu canto, não vou sair de casa não, quem sabe assim eu te privo de sofrimentos desnecessários, de palavras desnecessárias. Eu estou em dúvida. Eu estou com medo e estou em dúvida. Eu sou patética. Como eu posso estar tão certa de algo tão incerto?

Corra, sangue, corra. Fuja pr'algum lugar bem longe daqui onde você possa encontrar calor n'alguma outra coisa, mas vai ser bem rápido, como uma injeção...

Eu sei que você já conhece essa dorzinha.
Só dói um pouquinho.
E (quase) sempre passa.