03 agosto 2011

Mãe, eu sou mulher.

Eu tenho medo que você seja agredida na rua.

A gente ouve as famílias discursarem sobre a homofobia quando descobrem algum homossexual entre eles. Bom, se você quiser ser lésbica, seja discreta, seja silenciosa.

Eu tenho uma má notícia pra vocês: eu sou mulher. Eu sou agredida na rua todos os dias. Eu sou agredida por homens que dizem coisas chulas se referem ao meu corpo e à minha beleza. Eu não estou à disposição deles, mas isso não importa, as mulheres não têm o direito de andarem na rua sem serem perturbadas. Todos os dias, todas as ruas, todos os segundos de nossas míseras vidas. São homens que nos encoxam nos ônibus, que postam ofensas misóginas sobre nós em todas as redes sociais, que desejam os nossos corpos, que querem comer os nossos ânus independente do prazer que sintamos ou não, sem preliminares, sem flores, sem ligações no dia seguinte, homens que estão a todo instante a um passo de nos estuprarem. São homens e mulheres que culpam nossa forma de nos vestir pelos assédios cometidos. São maridos que se sentem à vontade para bater em suas esposas. São homens violentos, nojentos, sujos e pervertidos que estão a solta em todas as cidades, em todos os lugares. Eles querem sugar as nossas almas e destruir os nossos corpos.

Eu não sei onde eles estão, se se escondem por entre as sujeiras suburbanas ou se estão nos cafés, sentados e quentes, observando o movimento. Por vezes eu penso que estes homens estão enfurnados dentro da cabeça de cada um dos homens desta sociedade hipócrita. Uns mais, outros menos, mas eu quero estar longe de todos para não correr riscos. Eu tenho medo que eles apareçam, que a qualquer momento qualquer homem comum comece a pensar com a cabeça do pau e deixe emergir toda a doença social deste patriarcado abominável. Eu não quero estar perto deles porque essa doença está em todos os lugares, em todos os cantos, em todas as cabeças e se eu me sentir agredida e denunciar algo, inevitavelmente será minha culpa, pela minha beleza dos vinte anos, pelo meu corpo tão dentro dos padrões masculinos passíveis de ser fodidos. But I was born this way!

Portanto, vocês deveriam ter ficado amedrontados quando o médico disse que era uma menina. Ser gay é imensamente mais fácil que ser mulher, acredite. A homofobia é polêmica, mas está sendo discutida há anos. A misoginia não está em discussão. Não tenham medo - eu sou lésbica para estar longe do que mais me agride.

20 abril 2011

Conceitos obsoletos de poética cotidiana

Espalha-se pra todos os lados... Um pedaço de cada coisa numa colcha infinita de retalhos hoterogêneos. Arte de verdade é entrega, mas arte de mentira todos somos um pouco. E quem nega? Qual é a verdade universal? A resposta final? Atire quantas pedras quiser quem acredita nas certezas absolutas, pois eu não acredito nem sequer na certeza da rigidez das pedras. Eu entendo muito bem o conceito e a aplicação da abstração, mas quem vai me impedir de procurar pequenos animais e formas entre toda essa tinta?

Reflita, mas prive-se de enlouquecer. Às altas horas da madrugada simplesmente esqueça. A melhor parte é ver a noite chover seu céu escuro, desligar-se das conexões possíveis e esquentar-se junto a um outro corpo macio e nu, tão igual. Se arte é entregar-se, quem atirará a primeira pedra?

21 fevereiro 2011

Afinal, ser diferente é tão clichê

Sem aviso prévio nem acerto de contas, a vida me demitiu do que eu era e me jogou na cara apenas uma certeza: eu já não sou mais tão criança a ponto de saber tudo.

É estranho como num certo ponto o sentido das coisas se dissolve. Tantas respostas na ponta da língua e opiniões formadas que, repentinamente, eu já não sei mais se tenho certeza do que penso. Começo a responder não sei, a ficar calada. É como comê-las, alimentar-se de todas as suas mais profundas dúvidas e incertezas. Como se as respostas que eu antes tinha não aguentassem mais a acidez dentro da minha boca. E é isso que é crescer? Refutar minhas próprias certezas e desafiar minhas próprias convicções?

Inevitavelmente, as contradições me afligem. É esperteza ou burrice se aprofundar? Será que existe um nível seguro para consumo dessas substâncias? Será que são toxinas ou remédios? Percebe-se a pureza se esvaindo, as sentenças exclamativas dando lugar a centenas de interrogações. Sem resposta. A responsabilidade de carregar-se, de erguer-se, de manter-se em pé que nos empurra, quase nos derruba e nos mantem andando, meio bambos. Somos todos ou sou só eu? Não existe nada único neste mundo vasto, mas... é comum ou é raro se sentir assim? Estão todos comigo? Escondendo as palavras em baixo da língua por não ter certeza da recíproca da humanidade quanto a isso ou simplesmente por não saber muito bem quais palavras usar pra descrever?

E se é clichê ou não, pouco importa, me entrego a este sentimento sem pudor. Eu não defino mais o certo como certo como antes eu sabia diferenciar tão bem. Neste ponto os sentimentos são como os filmes - assistir só os bons sem ter a experiência de assistir os ruins fará de nós tão alienados quanto assistir somente os ruins. Eu me disponho a não classificar e sentir tudo isso, por mais chulo ou raro que seja.

Eu me entrego.
E isso não significa necessariamente que eu esteja desistindo.