A combinação da rotina e da detalhada atenção do garoto era perfeita: conhecia todas as pessoas que aquele habitual acaso lhe dava oportunidade.
Enquanto pedia dois pães, por favor como sempre para a rechonchuda Dona Eulália, imaginava coisas escritas nos olhos dela. Ontem eu briguei com o padeiro e estou arrasada, Jonas. Como resposta, a reconfortava com um sorriso carinhoso. Amanhã vocês fazem as pazes, não se preocupe, ele ama a senhora muito. Ela dava um sorriso com seus dentes pequenos enquanto ele entregava as moedas e saía da padaria sem dizer palavra. Ela o achava um tanto quanto estranho, mas gostava porque sempre a deixava mais feliz. Planejava um dia perguntar o nome dele, mas faltava coragem.
Jonas andava enquanto comia os pães e ainda encontrava tempo para olhar e achar que sabia que a casa da moça das saias que esperava o ônibus era construída segundo as ordens do FengShui. Gostava do sorriso dela, mas ela nunca sorria em dias chuvosos. Tinha três gatos, ele passou perto quando achou que ela tinha dois.
Um pouco mais adiante, perto da esquina com a rua pavimentada, tinha a senhora das sombrinhas coloridas. Em seus devaneios, ela tocava piano ou não teria os dedos tão tortos. Jonas a ouvia declamando alguns acordes às vezes sozinha na rua. Todo mundo tinha medo dela. Dava aulas de piano no primário e as crianças apertavam as notas com força porque tinham muito medo dela. Ele nunca dizia nenhum oi, pois também tinha.
Exatamente no momento em que ele virava uma esquina que dava para a avenida onde estava o ponto do ônibus que o levaria para o trabalho, avistou uma moça diferente. Pensou que ela deveria estar visitando os parentes ali por perto. Degustou com curiosidade os miúdos da aparência dela: bonita... Linda! Os pensamentos se sobrepunham sem prévias. O sexto sentido sinestésico de Jonas estava aguçado, delirando por saber mais. Ela caminhava em passos lentos, despreocupados. Ele, como queria olhar mais, diminuiu a velocidade também. As cores das roupas dela, o gingado daquele dia de clima estranho, a música que começou a tocar na cabeça dele. Via claramente a alma dela, mas não conseguia decifrá-la. Ele não arriscava dizer quantos gatos tinha e nem sequer qual era o quadro da parede da sala de estar da casa dela. Quando caiu em si, a moça já havia notado o interesse no olhar dele. Ela sorria e não só sorria, sorria para ele. Era um sorriso dado, assim: lindo, aberto escancarado com todos os dentes. Era delicioso para ele vê-la sorrindo, mas confuso e diferente demais.
Foi só um simples "olá!" e ele nem sabia o que fazer. Procurou os bolsos, como se tivesse acabado de notar que possuía mãos. E ainda procurando reação, fingiu que não ouviu nem viu, olhou para os lados, para cima, engoliu seco. Deus, e agora? Entrou no ônibus correndo. Ônibus vazio, ônibus errado. Não faz mal. Sentou-se e os olhos arregalados miravam para qualquer coisa sem conseguir ver nada de verdade. Olhava além, como se olhasse para ela ainda. Sentia o coração batendo no braço, no pescoço, na perna e batendo, batendo forte. Ele não estava preparado para tais radicais mudanças.
De repente piscou, balançou a cabeça e se sentiu completo. Sentiu o olá da menina preenchendo algo que ele nem sequer tinha se dado conta que estava vazio. Pensou com convicção que só agora conhecia uma pessoa de verdade, conhecia mesmo. Pensou se poderia vê-la no dia seguinte, mas estremeceu só de pensar: Acho que não preciso conhecê-la mais do que isso. Já estou completo.