17 maio 2008

Ponto de vista amarelado [parte 7]

Como boa menina amarela, Beatriz era boa em lidar com as pessoas, mas este Jonas... Ele era fascinante. Falava pouco e sempre tinha um olhar distante, desatento. Cada fio de cabelo dele transparecia uma verdade incontestável que ela não se sentia capaz de descobrir. Estar com ele era como um grande lago de areia movediça e ele teve de sair logo para não se afogar completamente. Era como se a voz dela ecoasse perfeitamente em cada sílaba e ele fosse um pato.

Entregar o bilhete do estranho para Liz fora uma escolha fácil, pois sabia que a amiga não gostava de gente comum e via claramente toda a história que podia se desenvolver a partir deste guardanapo de papel rabiscado com uma tinta barata. Bia era boa com palavras e estava serelepe com a incógnita de que as palavras certas naquele papel poderiam fazer Liz se apaixonar porque ela nunca (NUNCA) vira Liz apaixonada por ninguém.

Depois de deixar o tal bilhete na 3, correu para o caixa e pediu para Jú trocar com ela um pouco. Era extremamente curiosa e esta se tornara uma questão de seu interesse. A menina amarela assistia com felicidade a paixão alheia, de sua visão amarela das coisas. Dali, a vista era ampla. Perfeita.

15 maio 2008

Moody's mood for love [parte 6]


C
hegara cedo demais. Seus sentimentos já não eram mecânicos e controlados como outrora, mas sim intensos e descompassados. Tão descontrolados quanto as batidas de um coração emocionalmente jovem e despreparado quando avistou, virando a esquina, os cabelos ondulados cor de laranja que estranhamente combinavam com a maior perfeição com o All Star azul bebê e com a cor do céu e todas as suas fofas nuvens daquela manhã.

Ao contrário do que imaginara que aconteceria, ao passo que ela se aproximava, aproximava-se dele uma grande dose de paz e calma. Havia alguma coisa no tom daqueles tantos azuis que neutralizava o vermelho dos cabelos que o faziam arder.

Era aquele gingado de menina da praia andando no cimento que o enlouquecia. Alguma música inevitavelmente começava seguindo o balanço ritmado daqueles quadris largos - desta vez uma bêbada dizia com sílabas mal pronunciadas I'm really feeling in the mood for love, cantava muito bem.

Ela olhou diretamente nos olhos dele e deu um sorriso de canto de boca. Teria o reconhecido? Teria sido tão importante pra ela aquele breve momento quanto pra ele? Num dia comum seria importante encontrar um estranho de manhã? Era uma perspectiva diferente, ocorria somente agora à mente cru de Jonas que a moça tinha um nome, uma história, e toda uma vida alheia à dele, além do breve momento em que se viram. Talvez ela tivesse até um namorado...

Jonas se sentou em uma mesa dessas que ficam do lado de fora dos cafés e esperou. Aquela comunicação visual significaria que era hora de conversar? Ele tinha uma certeza incontestável de que ela começaria alguma coisa, mas quando os olhos dela se afastaram dos dele, foi um choque. Passou reto... Tão perto que ele pôde sentir o cheiro bom dos cabelos mal arrumados. Virou abruptamente e entrou no café.

Seria, então, uma estratégia, segundo pensou. Estando ali, poderiam conversar, e ele entendia, pois também se sentia tímido.

Mas a menina parecia alegre e extrovertida, logo deu um abraço forte no garçom e beijou-lhe o rosto. Sentou-se numa mesa lá dentro e abriu um livro grosso. Nem olhou mais na direção da mesa 11, nem tentando disfarçar. Deu uma olhada rápida no cardápio, e disse algo para o homem que abraçara, que riu e, com um sinal afirmativo, virou as costas. Em alguns minutos, trouxe um café com leite grande e uma caixa de mini pães de queijo. Ela fechou o livro, prendeu os cabelos com um laço azul escuro e tomou um gole. Jonas ficou observando, paralizado. Levou um susto quando uma garçonete parguntou se ele gostaria de alguma coisa.
- Você pode entregar uma coisa pra'quela ruiva?

Não tirou os olhos dela enquanto falava, a garçonete mostrou os dentes amarelados, tão amarelos quanto ela toda e seu cabelo amarelo e sem graça, liso e previsível.
- Tome cuidado com a Liz, querido.

Jonas desviou os olhos.... Liz? Ficou olhando a moça rir, inquieto. Aquela felicidade era incômoda e incompreensível para ele, assim como começou a incomodá-la também aquele olhar. Parou de rir, como que por obrigação.

- À propósito, meu nome é Bia - disse, estendendo a mão e sentando na cadeira vazia a frente.
- Jonas.
- Você conhece a Liz? ... Jonas?
- Ainda não.

Depois de um segundo difícil em que as palavras fugiram para ambos, Jonas apontou para o garçom que trabalhava distraído e perguntou:

- Quem é aquele? - quebrou o silêncio sem querer, pois não o incomodava, mas incomodava à menina amarela, que se sentiu aliviada com as palavras poucas.
- Irmão dela, Léo.

Só então tornaram-se notáveis para Jonas as mechas alaranjadas na cabeça do galã de camisa social. Para ele, ainda escapavam os detalhes.
- Você tem uma caneta, Bia? - perguntou, pegando um guardanapo de papel.

Escreveu rápido, dobrou e colocou na mão dela, que piscou e saiu rápido para a cozinha, no caminho, deixando o bilhete em cima da mesa de número três.

12 maio 2008

Alguns certos dias têm cara de vida inteira [parte 5]


Antes de se deitar, Jonas comeu uma maçã. Ela estava na fruteira já há vários dias e aproximava-se o fim cruel de apodrecer ali, sem alternativa, mas Jonas devorou-a com fome de uma ansiedade que não passava. Novas forças nasciam para ambos, de diferentes formas.

Aquecido, num travesseiro fofo, abraçando um grande urso marrom, custou a dormir. Via flashes daquele dia interminável e o tic tac do relógio batia com peso em sua leve dor de cabeça. Às 23:59 vidrou os olhos no relógio por exatos dois minutos e quando teve certeza absoluta de que um novo dia havia começado, sentiu um arrepio. Os pensamentos se dispersaram com rapidez, e o garoto apagou a luz do abajur para se entregar à escuridão de brancos momentos em que já não se pensa mais em nada.