10 março 2007

Segue o seco


Tião não tinha sobrenome, nem medo de nada. Não fugiu da seca, nem da fome, nem da sede em nenhum dos longos dias da sua sofrida vida sertaneja. Não fugiu do trabalho árduo, nem do Sol forte. Dificuldade alguma que doesse o corpo o fazia fronte. Mas o que o fez desistir da vida que levava foi quando um dia caiu doente a filha que acabara de completar sete anos, o homem carregou a pequena por bem uns nove quilômetros até o posto de saúde.

- Não tem médico, não tem remédio e a sala de espera é à direita, senhor.

Horas depois, quando conseguiram uma enfermeira, era tarde demais. E a partir desse dia, as forças não eram as mesmas. E tudo foi se tornando mais difícil como se a velhice tivesse caído de uma vez só no corpo dele.


Queria ir embora daquele lugar, cheio do cheiro da menina, cheio do jeito dela, vazio com a ausência dela. Queria deixar aquela vida difícil, principalmente, e dar uma vida decente pra sua mulher. Vendeu seu único boi e comprou uma passagem pra São Paulo.


- Não se aveche não, Cida. Que eu enrico e vorto pra buscá ocê.


Beijou-a, botou na cabeça o chapéu de palha e foi embora, sem olhar pra casinha de pau-a-pique que deixava pra trás. Não queria que a mulher visse os olhos cheios de lágrimas dele, queria que ela acreditasse que logo voltava. Levou uma trouxa com os dois únicos pares de roupa que tinha. Foi andando até o lugar combinado. O chão rachado fervia sob o Sol e ele sentia a quentura que vazava pela sola fina e gasta do sapato velho. Subiu no pau-de-arara e sentou na madeira dura.


Assim foram cinco dias e quatro noites. Toda aquela gente sentada no caminhão, e parece que todo mundo tinha o mesmo objetivo de Tião. Todos sofridos, mas cheios de esperança com a cidade. Às vezes, eles rezavam. Paravam de quando em quando pra dormir, comer e beber alguma coisa. Tião gostava mesmo era de olhar pra fora, ver os vilarejos, as luzes, as cidades, os carros... Um mundo de coisas novas! E quando pensou que já tinha visto de tudo, chegou. São Paulo! Enorme São Paulo!


Ele olhou boquiaberto para tudo. Tão alto tão simétrico e tão lindo. Achou lindo a estranheza das coisas e a rapidez das pessoas. De onde é que ele tirava beleza daquele asfalto sujo, não se sabe. É que o cheiro ruim, não parecia tão ruim assim enquanto era novidade, e talvez assim fosse com todo o resto.


Olhava pras pessoas admirado com as cores das roupas, inexplicável. Olhava muito, mas nenhuma delas o olhava de volta. Ali, ele era imperceptível. Pensou em Cida bem vestida daquele jeito e alegrou o coração.


Mas na hora de dormir teve de deitar em qualquer canto mesmo. Com o passar do tempo, o fato de ninguém o notar, foi se tornando pior. Tinha fome, sede, frio. Saudade! Não tinha nada. Foram algumas semanas de desespero, mendigagem, sem saber o que fazer. E num belo dia, sentado numa ferroviária abandonada cercada de mato de meio metro de altura, Tião viu seu destino porco, torto, doído. Viu que não tinha jeito: não havia vida no papelão, nos tijolos e tampouco no asfalto. A ausência de vida foi tomando conta dele de fora pra dentro. O único alívio que sentiu foi quando todas as dores passaram. Foi a melhor coisa que sentiu na vida, se é que ainda sentia.


A muitos quilômetros dali, Cida sentiu um arrepio. Ela nunca soube o que foi e nem sequer o porquê de Tião nunca ter voltado.

4 comentários:

Anônimo disse...

UAAAAAAAAAAAAU.
UAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAU³

Caaaaaaaaaaaaaaaaaaara.
Sem palavras.
Perfeito.
Perfeito¹.
Perfeito².
Perfeito³.
Perfeito-elevadoaquatroqueeunonseifazer xD



Te amo, Kmz!

K-Rébs; disse...

Ahhhhhhhhhhhh, que triste! Deu até um nó na garganta!
O meu foi bem dramático. Somente um de sete personagens sobreviveu O.o'

Ah, vc já soube que liberaram as contratações dos professores? Eu já vi a nossa nova tia de português. Ela não tem cara de professora de ensino médio, tá mais pra aquela Tia Maricota do Sumaré! =D

;*

Carolina Holly disse...

são seus olhos =)

Anônimo disse...

perfeito meu...
demais os textos e vc sem palavras neh...
preciso te ver..
fikei arrepiado aki e cheguei a conclusao q vc realmente é diferente..=]
bjuss