31 maio 2007

A sinestesia da aventura particular de Jonas [parte 2]

(discurso indireto livre escrito para a professora Cristina Rick)


Todos os dias por volta das nove horas da manhã, a rua forrada por paralelepípedos acinzentados e sujos de terra ouvia o assovio de Jonas. Ele mesclava as notas desordenadamente bem e sorria, como era de costume.

A combinação da rotina e da detalhada atenção do garoto era perfeita: conhecia todas as pessoas que aquele habitual acaso lhe dava oportunidade.

Enquanto pedia dois pães, por favor como sempre para a rechonchuda Dona Eulália, imaginava coisas escritas nos olhos dela. Ontem eu briguei com o padeiro e estou arrasada, Jonas. Como resposta, a reconfortava com um sorriso carinhoso. Amanhã vocês fazem as pazes, não se preocupe, ele ama a senhora muito. Ela dava um sorriso com seus dentes pequenos enquanto ele entregava as moeda
s e saía da padaria sem dizer palavra. Ela o achava um tanto quanto estranho, mas gostava porque sempre a deixava mais feliz. Planejava um dia perguntar o nome dele, mas faltava coragem.

Jonas andava enquanto comia os pães e ainda encontrava tempo para olhar e achar que sabia que a casa da moça das saias que esperava o ônibus era construída segundo as ordens do FengShui. Gostava do sorriso dela, mas ela nunca sorria em dias chuvosos. Tinha três gatos, ele passou perto quando achou que ela tinha dois.

Um pouco mais adiante, perto da esquina com a rua pavimentada, tinha a senhora das sombrinhas coloridas. Em seus devaneios, ela tocava piano ou não teria os dedos tão tortos. Jonas a ouvia declamando alguns acordes às vezes sozinha na rua. Todo mundo tinha medo dela. Dava aulas de piano no primário e as crianças apertavam as notas com força porque tinham muito medo dela. Ele nunca dizia nenhum oi, pois também tinha.

Outra que ocupava notável espaço na memória disléxica do garoto era a mulher do Vivaldi. Vivaldi é o nome que escolheu pro São Bernardo dela, Bethoven é comum demais, mas como não quis fugir da linha de raciocínio resolveu-se por outro compositor clássico do qual, inclusive, gostava muito mais. Jonas gostava de música clássica. O cachorro foi atropelado na semana passada, só podia ter sido: mancava um bocado. O Vivaldi melhorou, Veterina? Ela tinha cara de veterinária e não existia melhor nome de veterinária que Veterina. Ela não virava o rosto, mas pra ele era como um: Sim Sim! Veja como ele está forte!

Jonas não ouvia direito de um ouvido e tinha um grau de miopia em cada olho, além de ser daltônico. Era trancafiado em seu próprio mundo, em que podia escolher os nomes, as cores e os sorrisos conforme lhe fosse mais aconchegante.


Exatamente no momento em que ele virava uma esquina que dava para a avenida onde estava o ponto do ônibus que o levaria para o trabalho, avistou uma moça diferente. Pensou que ela deveria estar visitando os parentes ali por pe
rto. Degustou com curiosidade os miúdos da aparência dela: bonita... Linda! Os pensamentos se sobrepunham sem prévias. O sexto sentido sinestésico de Jonas estava aguçado, delirando por saber mais. Ela caminhava em passos lentos, despreocupados. Ele, como queria olhar mais, diminuiu a velocidade também. As cores das roupas dela, o gingado daquele dia de clima estranho, a música que começou a tocar na cabeça dele. Via claramente a alma dela, mas não conseguia decifrá-la. Ele não arriscava dizer quantos gatos tinha e nem sequer qual era o quadro da parede da sala de estar da casa dela. Quando caiu em si, a moça já havia notado o interesse no olhar dele. Ela sorria e não só sorria, sorria para ele. Era um sorriso dado, assim: lindo, aberto escancarado com todos os dentes. Era delicioso para ele vê-la sorrindo, mas confuso e diferente demais.


Foi só um simples "olá!" e ele nem sabia o que fazer. Procurou os bolsos, como se tivesse acabado de notar que possuía mãos. E ainda procurando reação, fingiu que não ouviu nem viu, olhou para os lados, para cima, engoliu seco. Deus, e agora? Entrou no ônibus correndo. Ônibus vazio, ônibus errado. Não faz mal. Sentou-se e os olhos arregalados miravam para qualquer coisa sem conseguir ver nada de verdade. Olhava além, como se olhasse para ela ainda. Sentia o coração batendo no braço, no pescoço, na perna e batendo, batendo forte. Ele não estava preparado para tais radicais mudanças.

De repente piscou, balançou a cabeça e se sentiu completo. Sentiu o olá da menina preenchendo algo que ele nem sequer tinha se dado conta que estava vazio. Pensou com convicção que só agora conhecia uma pessoa de verdade, conhecia mesmo. Pensou se poderia vê-la no dia seguinte, mas estremeceu só de pensar: Acho que não preciso conhecê-la mais do que isso. Já estou completo.

16 comentários:

Zéfiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Zéfiro disse...

Ahh Camila! Como gostei disso!!
Motivo para render diversas risadas de reserva...(fora as várias que acabei de ter)

Que o Jonas não seja tão egoísta e retorne um sorriso para a bela e misteriosa moça de roupas-de-cor-em-pleno-dia-de-chuva!

Atenciosamente e Intrigado, Ivson R.

Anônimo disse...

foi vc que escreveu? eu gostei do texto!agora, pergunta:jonas é quem?o gato?um garoto?hahaha!
bjos!

Me, myself and I disse...

Pretensão nenhuma senhorita Camila Soares !!


eu não sei porque sinto uma certa inveja positiva do seu Blog
;3


Bjo

Me, myself and I disse...

Acho que sim !!

; )


Feliz agora?!
HSuhauS

V! disse...

Huuuuuuuuum. Jonas era como eu x)

Zéfiro disse...

Espero ter sempre a oportunidade de ler suas estórias...(será que vi pedaços de nossas conversas nas última? Os distúrbios biológicos...huhahuahuahuhau)

Você enrubrece minha face ao dizer tamanhas honras.
Meus devaneios? São vários...
Mas não os acho dignos de serem lidos... Falta tanta qualidade.
(Digo isso sem um pingo de drama ou vergonha.)
Me sinto como um garotinho brincando sem responsabilidade.
Agora penso duas vezes se devo continuar.

Quanto à promessa, sim não esquecerei! E fico deveras feliz ao saber que vc também não...
;0

V! disse...

Você se entregou: Jonas é você.

Faz tempo que eu não me retrato pelo o que eu escrevo. Sim, eu me escondo. Eu gosto mesmo é de fingir.

E eu encarei a coisa de não ter dicionário como uma ofensa, pelo menos à primeiro instante. Depois... (não sei).

V! disse...

Oooooooooooohm.Depois eu pensei, e cheguei a conclusão que vc parecia ser simpática demais pra querer dizer isso, rs. Ta td bem =) Sempre me avise quando atualizar =D (se puder, hahaha)

·caMM's disse...

Só pra dizer que os textos da Kmz são os mais fodas.


Te amo, fofa.

@magnou disse...

Nossa, eu tenho um medo enorme do discurso indireto livre (sério mesmo), ah! Mas eu supero.

Depois de anos não visitando meu próprio blog resolvi dar uma olhada e vi seu comentário. Você é a mesma garota la do myspace que adora a Cyz?! Uau, adoro o destino!

haha beijo minha linda (:

Anônimo disse...

Oi, moça! Te descobri lá no blog da Casey Dienel (e acho que lembro de ter te visto tb na comuna do Orkut dedicada a ela!), pelo jeito nós compartilhamos uma adoração fanática pela música dela... :D Aliás, você que é fã deve curtir ficar sabendo que ela me deu uma entrevista por e-mail esses dias, veja só! :] Ela foi super simpática, respondeu um monte de coisas bacanas, agradeceu aos fãs brasileiros e tudo mais... Dê uma olhada depois! Está no meu blog (http://www.dlm.cjb.net), mas vai virar uma matéria pra ser publicada na Rabisco.com.br depois...

Gostei do blog! Voltarei mais vezes... :)

K-Rébs; disse...

Seus textos são fodas³ Camila.
:D

Respondendo teus antigos comentários depois de um ano (sim, tinha enjoado um pco do blog...^^')

-Não fui no McMeeting pq não deu :( mas no próximo eu vô o/

-Aham, tua voz é a top da gravação "Eca tá mofaaado! Professor, vc tentou me mataaaar" hsuahsuhasuahsuah

-Johnny Depp tb me agrada bastaaaante! ;D

Bjão línda
;*

K-Rébs; disse...

Opa, Spice Girls na veia! Infância rules o/
"I wanna really really really wanna zigzig ah"
shahsuahsausuasha

Hey fico feliz em ter ajudado! :D
Precisando, estamos aí...menos pra matemática ^^'

Bjooooks foufa
;*

Nath [aya] disse...

Achei super foda, Cá!
É que na verdade, penso que esbarro em inúmeros universos diferentes ao dar uma simples caminhada na rua da minha casa, e provavelmente o que me falta é sensibilidade pra me percebê-los. Os detalhes! Cara, você faz mágica aos descrever os detalhes.
Parabéns, de coração.

Maria disse...

Quantos anos esse personagem tem?

Cinco? --'