20 abril 2008

Pequenas vitórias [parte 4]

Conseguiu voltar para casa gastando o preço de só um passe no Bilhete Único. Era o peso de mais uma vitória em suas lutas particulares e significava muito, sentia-se capaz e era o bastante.

Tomou um banho, deixou a água correr pelo seu corpo, que estava muito sujo. Colocou umas roupas de algodão, de cores claras e bem largas pra ficar à vontade. Enfiou-se dentro de uma caixa grande em seu quarto pra pegar umas coisas e espalhou na mesa da sala réguas, lapiseiras, canetas, estojos, calculadoras e papéis em branco. Começou a desenhar a rota que fizera de manhã quando encontrara a menina com a maior precisão possível. Passados alguns minutos, riu de si mesmo: não havia fórmula para encontrá-la de novo. Mesmo assim tracejou a rua por onde passara com caneta vermelha e fez um xis grande no lugar onde a vira, no lugar certo. Riu, largou a caneta, deitou-se por cima de toda aquela papelada inútil (que em breve iria para a reciclagem) e passou o dedo indicador da mão esquerda na superfície daquele xis.

O frio na barriga não o deixava desde cedo e sentiu certa náusea ao fechar os olhos, logo se imaginou um capitão pirata sobre seus velhos e empoeirados mapas, viu seu copo d'água como uma taça de rum - era um pirata em busca de um tesouro perdido e tinha um mapa para encontrá-lo! Um mapa marcado com um xis vermelho. Riu de si mesmo de novo, estava feliz. Continuou acariciando o nada detalhado esquema - tateava cada fibra do papel como se pudesse senti-las, ou como se pudesse senti-la ali. Ele desenhava as curvas do corpo dela na imaginação, passando a ponta dos dedos levemente sobre o quase abismo que causara aplicando sua força com a caneta vermelha no papel. Excitava-se em pensar nela. Colocou a mão direita entre as pernas e ficou ainda alguns instantes completamente entregue à idéia de conhecê-la completamente.

Então alinhou sua coluna ao encosto da cadeira, com a respiração ainda ofegante apoiou o cotovelo na mesa e a cabeça nas mãos. Depois endireitou-se novamente, passou a palma das duas mãos sobre a folha que desenhou e logo em seguida a rasgou no meio, amassou e arremessou em direção ao lixo, do outro lado da sala.

E acertou. O dia fora, realmente, composto de pequenas vitórias.

Voltou aos papéis, rabiscou o rosto dela com um lápis 6B, mas lhe fugiam os detalhes. Levantou-se e pegou um cd no raque, pôs no rádio e apertou o play. Fitou o próprio reflexo no espelho atrás da garrafa de vinho espanhol que ganhara anos antes do irmão mais velho. Sorriu.

4 comentários:

Li disse...

Você é simplesmente a mais foda!

v disse...

porra, cá, que lindo!
sorri tantas vezes incontáveis enquanto lia.

toda essa paixonite boba e platônica me encanta. além do que, esse é um verdadeiro texto de ambientalista haha.

lindo :) :*

Jé Straci disse...

MEU DEUS!
que coisa mais linda!
juro que chorei rios lendo esses seus textos mais do que lindos, fodas, perfeitos...
maaaaas, mais do que esses textos, você é a melhor!
sacou, né?!

TE AMO DEMAIS, CAMILAAAAAA STRACIII!

Maria Paula . disse...

assinei mais um feed!
seu blog continua otimo!
serei uma leitora mais freuquente.